Primeiro contato com a Kathe
- Pele Expressa
- 21 de jun. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de jun. de 2019
PE: Fale um pouco sobre o machismo dentro do movimento, quando uma mulher vai tatuar e se isso afeta a vida profissional. E se em algum momento você já viu um homem se recusar a fazer uma tatuagem com uma tatuadora mulher, sobre assédio e dificuldades para se inserir dentro do meio.
Kathe: Então, o machismo eu acredito… Acredito não, estou convicta que está muito presente no meio da tatuagem ainda. A gente consegue ver isso não só aqui em Uberlândia como em todo os lugares, quem acompanha Instagram de tatuador por aí sempre vê que uma grande maioria são homens. Os homens tatuam com homens, isso é muito real. A grande parte dos meus clientes são mulheres inclusive também porque hoje em dia as mulheres procuram mais se tatuar do que os homens. Pelo menos no meu meio eu acredito que é isso, mas em contrapartida tem a questão do homem que tem a cabeça fechada que fica “Ah eu só vou tatuar com fulano, porque eu confio ”, mas na cabeça dele ele acha que é porque ele confia no trabalho daquela pessoa mas na real é porque ele não está dando oportunidade para uma mulher, porque não iguala a mulher com o homem.
PE: E como isso afeta a vida profissional?
Kathe: Afeta bastante na questão da procura. Grande parte das pessoas que me procuram para fazer tatuagem são mulheres, a maioria é universitária. Porque tem muita mina que tatua, só que por exemplo, digamos que seja uma pessoa, sei lá, dos seus 35 anos que tatua, ela vai procurar um perfil de pessoa diferente, vai procurar um homem que tatua, que já tatuou alguém da família e por aí vai, não busca “Ah vou dar uma oportunidade pra uma mina que tatua“. É complicada essa questão. Afeta bastante no meio profissional na questão de oportunidades, porque se vai ter um evento, eles sempre dão preferência para chamar homens que tatuam a muitos anos em vez de chamar alguém que está se inserindo agora no meio da tatuagem. Principalmente sendo mulher, né?
PE: Você já viu casos de algum homem se recusar a fazer uma tatuagem porque a tatuadora era mulher?
Kathe : Olha, eu não cheguei a ver, mas tenho uma amiga que também tatua e ela chegou a me contar que teve um cliente que perguntou quem ia tatuar, fez o orçamento e na hora de fazer a tatuagem falou “ Ah, é você que vai fazer minha tattoo?“ e ficou olhando com um ar de desdém por ela ser uma mina. E isso já aconteceu outra vez, de outra pessoa também me falar que o cliente ficou meio balançado por ser mulher. Mas chegar a falar “Ah não, não vou tatuar com você porque você é mulher”, não cheguei a ouvir, mas já aconteceu algo parecido. Uma coisinha ou outra que acontece.
PE: Já aconteceu de algum homem vir tatuar e não saber que você é uma mulher?
Kathe: Sim, já aconteceu comigo. Inclusive eu o tatuei e ele passou o tempo todo meio sem graça. Eu fazendo a tattoo e ele sentado aqui, era uma tattoo no braço, ele não dava um sorriso, não falava uma palavra, nada. Na hora que eu terminei a tattoo ele se transformou, se sentiu outra pessoa, olhou a tatuagem e falou “Nossa, gostei demais, eu amei e ficou melhor que eu imaginava.” (Risos) Ou seja, ele estava dando pouca credibilidade para mim. Ele foi o cliente mais estranho que eu atendi.
PE: E sobre assédio? De um cliente com a tatuadora e de um tatuador com uma cliente.
Kathe: Eu, felizmente, de todos os homens e mulheres que atendi, nunca sofri assédio de ninguém. Sou grata pelas pessoas que atendi. Já ouvi histórias de outras pessoas, mas isso eu não tenho certeza então nem compensa comentar, mas comigo pelo menos, eu nunca sofri nenhum tipo de assédio e nem conheço pessoas que passaram por isso.
PE: E você acredita que por ser mulher no mercado da tatuagem tem mais dificuldade de se inserir ou é páreo a páreo?
Kathe: Então, é bem complicado, não é nem um pouco igual o que é para uma mulher e o que é para um homem no meio da tatuagem. Por exemplo, como eu havia falado agora pouco, vai ter uma convenção de tatuagem, é muito difícil você encontrar uma mulher que faz um trabalho de fechamento de braço, de coisa grande assim, porque a galera não dá tanta oportunidade porque eles veem a mulher como “Ah ela faz uma florzinha, ela faz uma coisinha feminina.” Não acreditam que as mulheres também têm capacidade de fazer um trampo mais trabalhado. Acham que só se limitam a aquilo e eu vejo que a gente não tem tanta oportunidade no nosso meio como os homens. Meu namorado também é tatuador e as oportunidades que ele tem são muito diferentes das minhas. Claro que ele tem o mérito das coisas que ele conquista, mas é mais fácil escalar, conseguir as coisas dele do que eu. Eu vejo que no meio da tatuagem, aqui em Uberlândia não, mas em outros lugares a gente vê que tem muito isso de “Ah eu vou colocar uma mulher para trabalhar porque tem que ter uma mina aqui.“ Sabe? Não é porque querem dar oportunidade porque o trabalho dessa pessoa é massa.
PE: É para preencher cota e para maquiar uma diversidade.
Kathe: Isso, exatamente!
PE: A tatuagem sempre foi vista como algo ruim e por ser mulher você acha que acaba ficando pior?
Kathe: Então, já aconteceu casos de no ônibus, as pessoas se recusarem a sentar do meu lado por eu ser muito tatuada. Uma vez já aconteceu de uma senhora chegar a olhar para mim e ficar de cara feia, eu ofereci o banco para ela se sentar e ela falou que não queria. A gente vê o olhar torto ainda, não é uma coisa que está cem por cento aceita pela sociedade.
PE: A gente falou com uma outra tatuadora que também é negra e ela falou sobre umas coisas que envolvem a questão racial, de pessoas que não quiserem se tatuar com ela. Ou que não desejaram fazer uma tatuagem nela com a desculpa de que não ficaria boa, mas era porque a pessoa não sabia tatuar em pele negra.
Kathe: Então, eu não cheguei a passar, mas eu já cheguei a atender pessoas de pele negra que se sentiam muito acuadas no mundo da tatuagem porque todo mundo ficava “Ah mas você não tem condições de ter uma tatuagem assim, porque você é negro.” E eu falei “Não gente, calma. Todo mundo tem direito de ter tatuagem aqui.” E o dia que eu fiz a tatuagem nele, foi um rapaz, eu coloquei cor na tatuagem e ele ficou apaixonado e falou “Nossa, eu nunca acreditei que eu iria ter uma tatuagem que teria cor.” Eu senti a emoção nele. Já aconteceu de um cliente zoar meu cabelo, mas eu deixei de mão porque essa pessoa não sabe nem o que está falando. Porque eu estou em transição capilar, e o meu cabelo eu passei a vida inteira fazendo progressiva e eu decidi que eu não queria mais isso então eu o cortei, passei a máquina e comecei do zero. Aí teve um cliente meu que quando eu o atendi na primeira vez eu estava com o cabelo alisado aí na segunda vez eu já tinha feito o big chop e ele falou “Nossa, não! O que você fez com seu cabelo? Não ficou legal. Eu preferia liso. Cabelo cacheado não combina com você.’’ E eu “Ah, tá bom.” (Risos)
PE: Qual a importância do feminismo para as mulheres que estão tentando se consolidar no movimento?
Kathe: O feminismo é importante porque temos que lutar pelos nossos direitos, e ele está aí para isso, para que homens e mulheres tenham direitos iguais tanto econômicos, quanto sociais e tudo. Tem que ser tudo igual. E é o que está levando a gente para cima.
PE: Qual seu estilo favorito de tatuagem?
Kathe: Eu tenho uma variação muito grande, eu gosto muito de tatuar inseto, trabalho colorido com Old School, então varia bastante de uma coisa para outra. Mas, como vocês podem ver, é o Black Work. Eu gosto muito de um trabalho todo preto e de vez em quando eu faço um Old School.
PE: Como você decidiu ser tatuadora?
Kathe: Na época que eu decidi, eu vim de outra cidade para cá, deixei minha filha com meus pais e no momento que eu decidi isso eu vi que eu tinha que buscar minha filha. E trabalhando em outras empresas, não estava dando certo. Eu comprei o equipamento e fui tentando devagarzinho.
PE: Você já desenhava antes?
Kathe: Sim, desde criança eu já desenhava e sempre gostei. Só que, quando eu tive minha filha eu dei uma pausa, fiquei anos sem pegar em uma caneta, mas eu sempre gostei.
PE: E sua família, quando você disse que queria tatuar, o que eles falaram sobre isso?
Kathe: Por incrível que pareça, apesar do meu pai ser aquele homem bruto do interior de cabeça fechada. (Risos) Não teve muito julgamento, inclusive ele me apoiou, coisa que eu não esperava. Da última vez que eu os visitei, levei equipamento para tatuar e ele me levou nos lugares para tatuar, eu achei bem legal. A minha mãe sempre amou tatuagem, inclusive eu já tatuei ela também. Então da minha família eu sempre tive apoio.
PE: Quando a gente conversou com a Drika, nossa outra entrevistada, perguntamos se ela achava que os tatuadores aqui de Uberlândia eram próximos, se existe uma comunidade entre eles e queríamos saber sua opinião sobre isso também.
Kathe: Tem e não tem ao mesmo tempo. Porque ao mesmo tempo que a gente conhece muita gente, muito tatuador, tem os tatuadores que a gente não conhece, não tem muito contato. Mas apesar disso, eu acredito que tem sim uma comunidade entre os tatuadores.

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