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Primeiro contato com a Ana

  • Foto do escritor: Pele Expressa
    Pele Expressa
  • 24 de jun. de 2019
  • 9 min de leitura

Atualizado: 30 de jun. de 2019


PE: Como você percebe o machismo dentro do movimento e como tais atitudes afetam a sua vida profissional?


Ana: Dentro dos tatuadores com as tatuadoras, o que eu percebo muito, é que as mulheres não tem credibilidade, entende? Eu já ouvi esse termo “tatuadora de fine line”, como se o que você consegue fazer é aquilo ali. Você não consegue fazer um trabalho maior, tem esse preconceito. E quando na verdade é um migué né, isso não existe. Eu vejo muito isso, as pessoas não sabem que existem tatuadoras aqui em Uberlândia. Várias pessoas falaram “Nossa, nunca conheci uma tatuadora.” e tem várias! Várias!

PE: Você já vivenciou algum caso específico de machismo? De algum tatuador ter te colocado para baixo, te desincentivando. 


Ana: Não. Ainda não, ainda não! Eu comecei em outro estúdio e eu dividia uma sala com outro rapaz e a gente se dava muito bem, eu tive essa sorte! Então não, ele me ensinava. Eu ainda não passei por isso.


PE: Você já presenciou a recusa de homens a fazerem tatuagem com uma mulher?

Ana: Não, também não!


Laura (amiga da Ana): É porque, no caso os eles chegam até você! Os clientes te procuram.


Ana: É! Mas no caso é muito pouco né, que procuram. Acho que, sei lá, quantos homens, uns dez. Enquanto mulher já é mais.


Laura: Eles chegam a mandar mensagem pra você, dando em cima de você, com pretextinho de tattoo, rola demais.


Ana: Nossa! Rola, rola!


Laura: É porque vê no Instagram também né.


Ana: Instagram, WhatsApp, e é gente tão nada a ver que a gente fala “meu filho, em que mundo você vive, que você achou que ia rolar alguma coisa entre a gente.” (Risos) Tipo assim: dá licença! A galera não tem noção.


PE: Você já sofreu assédio e dificuldade de se inserir dentro do próprio mercado?


Ana: Assédio, já aconteceu uma vez que eu tava tatuando um cara e assim... Lá no outro estúdio ele... sei lá, eu tava tatuando peito, e quando você tatua peito você tem que ficar por cima, o cliente fica deitado. Sabe quando você percebe que a pessoa tá te olhando? E aí começava com uns assuntos tipo “Ai, mas você é casada?” E eu sou casada. “Nossa, mas seu marido deixa você tatuar e ficar até essa hora?” Porque já era mais tarde da noite, e sabe, falando que ia passar ciúme na namorada, falando que foi uma tatuadora que fez a tatuagem e esse tipo de coisa. Qual que era a outra pergunta?


PE: Dificuldade de se inserir no próprio mercado.


Ana: Aqui em Uberlândia, eu já meio que excluo machismo em si porque eu acho que o mercado de tatuagem já é fechado pra todo mundo que é novo. Tanto homem quanto mulher. Sabe, a galera não ajuda, então eu acho que é mais por aí. Dificuldade por conta do machismo em si eu nunca passei.


PE: Estereótipos, utilizar mulheres tatuadas como fetiche e tratar elas como objeto. Você já presenciou isso?


Ana: Eu fui tatuar uma menina e ela era fisiculturista, então ela tinha um corpão. E a gente foi tatuar e ela estava com uma roupa de academia porque ela trabalha com isso também, e aí duas pessoas, dois homens, que trabalhavam nesse estúdio falaram que eles tinham que ir embora porque não estavam aguentando ver (se referindo ao corpo da fisiculturista) que nossa, tava sabe? (se referindo ao olhar de objetificação dos homens sobre o corpo da cliente) E aí eu fiquei: o que isso significa? Você é um animal descontrolado? Você não pode ver uma pessoa? E isso aconteceu duas vezes com a mesma pessoa na verdade, porque uma eles estavam e na outra eles foram embora antes dela chegar.

PE: Estigmas aplicados à estética da tatuadora e da tatuagem em si. Vê-la como algo ruim. É pior por ser mulher?


Ana: Eu acho que é pior por ser mulher porque tem o negócio de que mulher é delicada, já é pré-definido como uma mulher tem que ser. Tem que ser delicada, ela tem que, sei lá, ter o cabelo grande, enfim. Então assim, não pega bem ver uma mulher, com sei lá, com uma puta tatuagem no braço, uma caveira tatuada, um demônio. Esses dias, eu estava no elevador, eu faço terapia. E tinha um idoso no elevador, que me olhou de cima embaixo e soltou uma assim “E aí, quando é que você vai parar de fazer tatuagem?” E eu fiquei “O quê?” Ai eu falei “Nunca! Até porque eu sou tatuadora. Não faz sentido né.” Ai ele deu uma risadinha, e não falou mais nada. Mas isso rola muito. Eu vejo as pessoas olhando.


Laura: Com a família rola muito. Tipo assim, a minha mãe ela enche o saco de “Ah, é que não tá parecendo mocinha mais." Ela fala que eu pareço um marginal. E rola muito porque meus desenhos de tattoo são muito aleatórios, não é florzinha coisa pequenininha.


PE: Que tipo de desenho você tatua com maior frequência em suas tatuadoras mulheres?


Ana: Geralmente é o mais discreto possível. Elas querem o menor tamanho possível, no lugar mais escondido possível, porque trabalha.


Laura: O preconceito ainda existe, mas diminuiu. Mas ainda existe muito preconceito.

PE: Como conseguir espaço dentro de um ambiente predominantemente masculino? E como é ter de provar que realmente é boa para se ganhar respeito?


Ana: Eu acho assim, é de mim isso já, eu não aceitaria alguém, sei lá, me diminuir porque eu sou uma mulher tatuando. Entende? eu não abaixo a cabeça, então é meio o jeito que eu enfrento. Então eu não aceito comportamentos e as vezes algum tipo de comentário e tal, eu sei lá, exponho a pessoa. Pra mim é desse jeito. Talvez outras tatuadoras não tenham essa iniciativa de "Não é assim, dá licença!" Mas comigo é. Eu combato quando acontece.


PE: Existe o estereótipos sobre o que é tatuagem de mulher ?


Ana: Oh, tem muito disso, de tatuagem de mulher ser tatuagem delicada, de ser o fine line é o mais discreto ali, o mais delicado. Que a maioria na verdade, faz isso mesmo por aquele motivo de tentar esconder.


PE: E é o que você trabalha né?


Ana: É, eu trabalho mais com isso. Minha preferência são uns desenhos não tão delicados.


PE: Qual seu estilo favorito de tatuagem?


Ana: Ai, eu gosto do black work, do fine line, gosto muito do fine line. Old school, gosto de tatuagem japonesa, tradicional japonesa. Neotradicional não me atrai tanto, é mais o tradicionalzão.


PE: Pautas feministas dentro da cena. Existe algum grupo das mulheres tatuadoras? A pauta feminista entra dentro desse movimento?


Ana: Eu acho que entra com certeza. Existe muito machismo dentro de cena. E um grupo aqui em Uberlândia não tem, apesar de estar se formando.


PE: E por último, reação da família e amigos ao saberem da sua escolha profissional e pessoal.


Ana: Olha, tem gente que apoiou e tem gente que não me apoiou. Eu escondi do meu pai um tempo, meu pai mora nos EUA, e ele ficou sabendo que eu tatuo tem uns dois meses (risos). Eu fazia veterinária, a gente (Ana e Laura), fazíamos veterinária, e a gente largou. Tem tias que olha estranho e falam "ha não, você tem que estudar". Literalmente eu ouvi isso, que você tem que se formar pra ter um papel na mão pra mostrar. Ponto. Então é isso, mil anos na faculdade lá passando raiva, gastando dinheiro, pra ter um papel que quando alguém quiser ter pra mostrar. Esse é o objetivo.

PE: De profissão fantasia.


Ana: De profissão fantasia! não fui muito apoiada.


PE: Faz quanto tempo que você tatua?


Ana: Tem dez meses.


PE: Faz quanto tempo que você largou a faculdade?


Ana: Faz um ano. Foi em março do ano passado (2018), eu comecei o curso de desenho.


PE: E você já desenhava antes?


Ana: Eu tinha noção, tipo, fazia os rabisquinho. Ai eu aprendi mesmo no curso de desenho, e no próprio curso de desenho que era num estúdio de tatuagem, eu já fui começando a aprender. Trabalhei lá um tempo e fechou.


PE: Você teve também aquele período de aprendiz, que geralmente existe para tatuadores iniciantes?


Ana: Teve! foi nesse outro estúdio que eu aprendi a tatuar.


PE: Laura, como é para você ver sua amiga se inserindo nesse mercado e ganhando espaço?


Laura: Ah, eu tenho muito orgulho! eu e a Ana já passamos por muita coisa, então na época em que ela decidiu entrar no rolê da tatuagem eu apoiei demais.


PE: Ana, existe rivalidade entre os tatuadores?


Ana: Existe uma rivalidade entre alguns tatuadores.


PE: Os mais antigos?


Ana: É, principalmente!


Laura: Os cara acham que porque chegou primeiro, a tatuagem é deles. Não existe isso, cada um tem seu estilo, você vai atrás do tatuador que você se identifica mais.


Ana: Sim, se você chegar com um coração aqui, eu vou tatuar de um jeito. Se a Laura for tatuar, ela vai tatuar de outro. Então não tem concorrência porque não é o mesmo trabalho.

Laura: Mas assim gente, muito legal ver o tanto que a Ana tá crescendo. Falamos que estávamos fantasiadas lá na veterinária porque não era a gente. Porque assim, as mulheres que estão na tatuagem elas extravasam originalidade.


PE: Ana, você tem uma filha.


Ana: Sim, e ela sabe o que é tatuagem. O meu marido tem um monte que eu fiz. E aí quando eu faço uma nova nele, ela percebe e aponta pra tatuagem e fala “mamãe”, porque ela sabe que fui eu quem fiz. E ela ama, ela vê foto ela fala “tatuagem, tatuagem.’’ Ela pede para eu fazer nela, ela pega meus delineadores e me entrega. Aí ela vem com a mãozinha e fala “age’’ de tatuagem, aí eu tenho que fazer um desenho. Faz no pé, faz na perna, ela é sem limites. Se deixar, ela fica toda tatuada.


PE: O que você acha dessa ideia de todo mundo falar que tatuagem tem que ter um significado?


Ana: A única coisa que tatuagem não tem pra mim é significado, eu vejo e falo: “Nossa, quero!” Me veio na cabeça: eu quero um cara pulando de paraquedas e esse paraquedas vai ser um cérebro, e assim foi (se referindo a tatuagem que a mesma tem no corpo).

PE: Nós percebemos que você tem muitos seguidores no Instagram, como você conseguiu? Foi divulgação?


Ana: Então, eu e meu marido fizemos um curso de marketing e aí a gente utilizou as ferramentas. Não sei se vocês conhecem o Erico Rocha, que tem uma fórmula de lançamento.


Laura: Ele é cara que estudou com o pai do marketing.


Ana: É, porque tem muita gente que compra (se referindo a seguidores no Instagram), a maioria, na verdade, eu acho que comprou. Os meus não foram comprados, foram pescados (risos). Mas a gente fez o curso e estudou sobre gatilho mental, marketing de redes, marketing de relacionamentos. É tudo pensado. Por isso que foi rápido, você filtra e tal o que você quer, quem vê seu conteúdo.


Laura: Tem muito trabalho gente, não é só a tattoo não. Tem o marketing digital e você tem que trabalhar com isso.


Ana: Acontece muito também, que eu percebo, que são pessoas que tatuam há mais tempo e que não trabalham o marketing delas, não sabem trabalhar isso, apesar de saber tatuar muito bem. E aí, consequentemente, como o meu conteúdo chega para as pessoas eu tenho mais clientes que essa pessoa, aí ela fica frustrada.


Laura: Falam assim que o tatuador que faz marketing, por exemplo, ele não é tatuador de verdade, porque o rolê da tattoo é a tattoo tradicional. Aí no final do mês fica reclamando que não faz nem uma tattoo.


PE: Ah, nós também temos dúvidas sobre os ditos tatuadores que na verdade não desenham, só copiam algo pronto.


Ana: Isso é muito relativo. Porque o que mais chega é gente com o desenho pronto. Se você não faz, ele vai fazer com outra pessoa. Mas assim, geralmente, ontem mesmo aconteceu. A moça chegou aqui com um desenho pronto e eu modifico, eu não faço igual. Você usa referências, às vezes usa as linhas, mas você muda textura. Pra dar uma personalizada, digamos assim, com o seu estilo e sua pegada. Mas o que mais acontece é desenho pronto, 90%, eu diria.


PE: No início, você achava que o corpo das pessoas é uma espécie de tela para os seus desenhos? Existe essa ideia, antes você comentou sobre as pessoas chegarem com a ideia pronta, mas também tem gente que chega e pode falar para fazer o que você quiser.


Ana: Ainda não chegou a pessoa que fala “faz aí o que você quiser”, mas acontece da pessoa escolher um desenho meu. E aí nesses casos eu acho que é sim uma tela, porque eu estou colocando ali um negócio que eu fiz. Igual a Laura, ela é minha tela, porque, sei lá, eu quero testar alguma agulha nova, uma tinta nova ou qualquer coisa que seja, eu chamo ela.


PE: E as suas referências, quando decidiu sair da Medicina Veterinária tinha alguém que você conhecia, que era sua inspiração?


Ana: Aqui em Uberlândia eu não tinha nenhuma referência, até porque eu caí bem de paraquedas na tatuagem. Eu nunca imaginei ser tatuadora. Mas, nossa, na Internet tem muita gente legal. Tem uma moça que chama Suflanda, que eu acho ela maravilhosa, não sei se vocês conhecem. Tem um cara, acho que ele é italiano, ele chama Giuseppe Messina, que ele faz uns old school bem fofos. Tem muita referência, eu não estou lembrando de todas, a galera é bizarra de boa.



 
 
 

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